21 outubro 2006

Sempre a dar música: do canto desafinado às noites de serenata

A Tesoural Tertúlia Irmandade das Sombras, como já foi dito e redito, tinha como objectivo defender e praticar as tradições coimbrãs. Essa defesa era feita por sistema, diariamente, na Faculdade, nas ruas, nas nossas casas, na nossa vida quotidiana, mas havia também inúmeros momentos extraordinários em que nos juntávamos para confraternizar, como nas “Festas do Litro y Meio” ou nos saraus, por exemplo, dos quais já falou o Batinas.
Fosse no dia a dia ou nas festas, era também muito normal – diria mesmo frequente – que aparecesse uma ou outra viola, ao som das quais cantávamos muitas e muitas músicas. A maior parte das vezes, diga-se a verdade, o valor artístico dessa nossa cantoria era baixo ou nulo, porque entre nós coabitavam pessoas que cantavam muito bem, as que cantavam razoavelmente e as que cantavam tão mal que até desafinavam os que cantavam bem; o grande valor dessa música era, portanto, apenas o de dar largas à alegria, muitas vezes etilizada, que sentíamos pelo simples facto de vivermos como vivíamos e ninguém se importava se cantávamos bem ou mal.
Desta cantoria, mais ou menos espontânea, surgiu então uma actividade que começou a ser mais ou menos recorrente: as serenatas. O que poderia ser mais coimbrão que cantar uma serenata às meninas que encantavam os nossos corações? Nada ou pouco, diria eu.
As noites de serenatas começaram a apresentar um padrão que penso que vale a pena registar para os anais da nossa história. Normalmente um de nós apaixonava-se e lembrava-se que era capaz de conseguir chegar a bom porto mais depressa se fosse fazer uma serenata à rapariga, para dar uma ajudinha ao engate. Era uma espécie de uma cunha. E quando digo “um de nós”, refiro-me não só às pessoas que faziam efectivamente parte da Irmandade, mas também a alguns amigos próximos de algum ou de alguns de nós, que sabendo dos nossos “dotes” nos vinham pedir ajuda. E a malta nunca dizia que não: uma serenata significava mais uma noitada, uns copos, alegria... enfim era o que todos queríamos.
Bom, dizia eu, que aparecendo o primeiro pedido logo se juntavam outros. Sim que a malta quando saía para fazer uma serenata fazia logo duas ou três ou quatro ou quantas fossem necessárias. Então juntavam-se outras “causas nobres” à primeira que surgisse: o A que tinha começado a namorar na semana passada com uma nova garina e que a queria homenagear com uma serenata; o B que tinha em vista outra moça; o C que tinha acabado com a namorada há duas semanas e queria recompor a cena; enfim, com tudo isto juntavam-se umas poucas de serenatas, criava-se um itinerário que passasse às casas de todas as “vítimas”, violas às costas, garrafas nos bolsos das batinas, pés ao caminho e aqui vai disto... mais uma noitada de serenatas.
Devo dizer que eu pessoalmente recorria a outras técnicas e por isso nunca utilizei uma serenata para empurrar um engate (fiz duas serenatas a duas das minhas namoradas daquele período, mas já depois de o caso estar iniciado). De qualquer forma achava (e acho) piada à fatal eficácia que a serenata tinha sobre as miúdas. Às vezes era ver os casos mais extraordinários de aparente incompatibilidade entre duas pessoas resolverem-se como por magia após uma serenata... que fascínio. E era essa mesma eficácia, cuja fama se ía espalhando, que fazia com que recorrentemente aparecessem os pedidos para irmos “serenatar”.

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